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- Dada a sua natureza de instrumento de financiamento «de renovação» («roll-over») de curto prazo, a função do papel comercial no mercado financeiro sustentável apresenta desafios.
- O mercado desenvolveu dois tipos principais de papel comercial sustentável: o papel comercial baseado na utilização das receitas («Use of Proceeds Commercial Paper») e o papel comercial ligado à sustentabilidade («Sustainability-Linked Commercial Paper»).
- A ICMA reconhece que o papel comercial tem potencial para assumir uma função importante nas estratégias financeiras globais dos emitentes e propõe recomendações para lidar com os desafios apresentados pela natureza dos vários tipos de papel comercial.
O Papel Comercial no Financiamento Sustentável
O financiamento sustentável é fundamental para alcançar o objetivo da legislação europeia de tornar a Europa neutra em termos de emissões de carbono até 2050, uma vez que pode mobilizar capital para projetos e atividades que contribuam para a atenuação e adaptação às alterações climáticas, bem como para outros objetivos de sustentabilidade.
A Associação Internacional do Mercado de Capitais («ICMA») publicou recentemente um documento sobre a função do papel comercial no mercado do financiamento sustentável. O documento identifica os desafios e as oportunidades da utilização do papel comercial como instrumento de financiamento sustentável, categoriza os diferentes tipos de papel comercial sustentável e apresenta recomendações sobre as melhores práticas para os emitentes e investidores.
O papel comercial é uma ferramenta de financiamento de curto prazo que permite aos emitentes – tendencialmente, com notações de risco elevadas – contrair empréstimos junto de investidores institucionais por um prazo igual ou inferior a 397 dias e, frequentemente, com desconto . O papel comercial é frequentemente utilizado para financiar custos operacionais, capital de exploração e outras necessidades de curto prazo.
Um dos principais desafios da utilização do papel comercial para o financiamento sustentável é o facto de o papel comercial ser um produto de curto prazo, enquanto o financiamento sustentável se centra normalmente em projetos e estratégias de longo prazo. A ICMA identifica que, em consonância com o mercado das obrigações verdes («green bonds») e sociais («social bonds»), o mercado sustentável do papel comercial desenvolveu dois produtos principais: o papel comercial baseado na utilização das receitas e o papel comercial ligado à sustentabilidade, e publicou recomendações de alto nível em relação à utilização de cada um destes produtos no contexto do mercado sustentável.
Em relação ao principal desafio de conciliar a natureza de curto prazo dos vários tipos de papel comercial com os objetivos de sustentabilidade a longo prazo, em relação aos dois produtos, a ICMA sugere que os emitentes alinhem o seu papel comercial com a sua estratégia de sustentabilidade e o seu quadro de sustentabilidade globais, e que os emitentes sigam os princípios fundamentais que regem o mercado do financiamento sustentável, consoante emitam papel comercial baseado na utilização das receitas ou papel comercial ligado à sustentabilidade (ou seja, respetivamente, os Princípios das Obrigações Verdes ou Sociais da ICMA ou os Princípios das Obrigações Associadas à Sustentabilidade da ICMA).
Papel Comercial baseado na utilização de receitas
Em relação ao papel comercial baseado na utilização das receitas especificamente, a ICMA recomenda a sua incorporação no quadro de financiamento sustentável do emitente, devendo este:
- Descrever a forma como o papel comercial se alinha com os quatro componentes principais dos Princípios das Obrigações Verdes ou Sociais;
- Explicar a forma como as receitas contribuem para a estratégia de sustentabilidade do emitente;
- Definir o papel comercial baseado na utilização das receitas enquanto instrumento de financiamento que permite financiar projetos ou atividades ecológicos, sociais ou sustentáveis elegíveis; e
- Permitir que todos os projetos ou atividades ecológicos, sociais ou sustentáveis elegíveis sejam financiados pelo papel comercial baseado na utilização das receitas.
Em conformidade com os Princípios das Obrigações Verdes e Sociais da ICMA, a ICMA apresenta recomendações em relação à utilização das receitas, à gestão e ao acompanhamento dessas receitas e à comunicação de informações.
Utilização das receitas: ênfase na flexibilidade e na transparência. A utilização final de fundos para este tipo de papel comercial pode ser bastante versátil, suportando várias despesas, tais como custos operacionais, despesas de capital, capital de exploração de projetos, investigação e desenvolvimento, e o refinanciamento de passivos de curto prazo. Adicionalmente, a afetação de fundos pode destinar-se a manter ativos sustentáveis, preparar a transição para o financiamento através de obrigações ou refinanciar o papel comercial próximo do vencimento com novas emissões, desde que estas despesas estejam em consonância com o quadro de financiamento sustentável do emitente e estejam relacionadas com projetos ou atividades ecológicos, sociais ou sustentáveis elegíveis. Em matéria de financiamento e refinanciamento, a ICMA recomenda aos emitentes que procurem assegurar a transparência, estimando a proporção das receitas utilizadas para financiamento versus refinanciamento, identificando os projetos ou atividades elegíveis que podem ser refinanciados e clarificando o período retrospetivo previsto para efeitos de refinanciamento.
Gestão e acompanhamento das receitas: a recomendação é que as receitas líquidas, ou um montante equivalente, sejam adequadamente acompanhadas pelo emitente. Este acompanhamento deve ser verificado pelo emitente de forma coerente com as práticas relativas às obrigações verdes ou sociais no âmbito do quadro de financiamento sustentável do emitente.
Comunicação de Informações
Relatórios de afetação: devido à natureza de curto prazo e ao refinanciamento frequente do papel comercial baseado na utilização das receitas, a ICMA reconhece que é difícil acompanhar com precisão as afetações. Por conseguinte, os relatórios de afetação devem: i) ser considerados numa base cumulativa anual, utilizando uma abordagem de carteira agregada ao abrigo do quadro de financiamento sustentável do emitente e ii) refletir a média simples e o montante em dívida mais elevado do papel comercial baseado na utilização de receitas aplicados a projetos ou atividades ecológicos, sociais ou sustentáveis elegíveis durante o período de referência, em comparação com as despesas do mesmo período. As despesas totais do papel comercial baseado na utilização das receitas devem exceder este montante mais elevado, em vez do montante médio.
Relatórios de impacto: devem ser incorporados no relatório de impacto global ao abrigo do quadro de financiamento sustentável do emitente e avaliados em termos genéricos, pelo menos, ao nível da carteira de projetos.
A ICMA salienta o facto de os emitentes deverem assegurar que não há dupla contagem de projetos ou atividades ecológicos, sociais ou sustentáveis elegíveis e/ou do seu impacto junto de qualquer outro tipo de financiamento sustentável em dívida e recomenda que as afetações sejam verificadas por um revisor externo independente.
Papel comercial ligado à Sustentabilidade
Como vimos, a ICMA observa que o mercado do papel comercial ligado à sustentabilidade adota, em geral, os Princípios das Obrigações Associadas à Sustentabilidade da ICMA. Nesta linha, a ICMA publica recomendações em relação à longevidade dos horizontes das metas de desempenho em matéria de sustentabilidade (MDS) e dos indicadores-chave de desempenho (ICD), à utilização de notações ESG como ICD e a sanções adequadas caso as MDS estabelecidas não sejam cumpridas dentro do prazo fixado.
ICD e MDS: os emitentes devem calibrar os ICD para um prazo mais curto por forma a fazê-los corresponder à duração do papel comercial, embora tal possa não garantir um envolvimento contínuo dos investidores na verificação do cumprimento das metas. As MDS devem ser ambiciosas e representar melhorias significativas para além do «cenário de statu quo», que podem ser difíceis de medir em períodos curtos, comprometendo potencialmente a sua ambição percecionada. Para fazer face a este desfasamento, a ICMA aconselha a emissão de papel comercial ligado à sustentabilidade no âmbito de um quadro de financiamento associado à sustentabilidade a nível da organização ou a sua associação à estratégia de sustentabilidade mais ampla do emitente. Este alinhamento assegura que o papel comercial contribui para a consecução das MDS a mais longo prazo ao abrigo do quadro.
Notações ESG como ICD: os emitentes podem usar as notações ESG como ICD, desde que clarifiquem se estas visam as notações ESG globais ou componentes específicos (E, S ou G). Devido às várias metodologias, à subjetividade e às potenciais restrições regulamentares, os emitentes devem explicar por que razão uma notação ESG é o melhor indicador dos desafios ESG da sua atividade principal e divulgar o tipo de notação utilizado. Contudo, os emitentes devem estar cientes da influência limitada que têm sobre as notações ESG e da falta de normas de mercado acordadas para essas notações. (O regulamento relativo aos prestadores de notações ESG está a evoluir na Europa. Pode encontrar mais informações na nossa publicação Aspetos essenciais do novo Regulamento da EU relativo à notações ESG).
Sanções: A ICMA considera que as sanções financeiras diretamente associadas ao papel comercial ligado à sustentabilidade, tais como os cupões escalonados utilizados nas obrigações ligadas à sustentabilidade, são inadequadas devido à natureza de curto prazo do papel comercial. Os desafios incluem a atribuição e a afetação de sanções a múltiplos investidores durante diferentes períodos e a impossibilidade de pagamento de sanções quando o papel comercial for reembolsado antes da avaliação da meta. As duas principais estruturas no mercado são: não poder utilizar a designação ligada à sustentabilidade, até que as metas sejam novamente atingidas, ou uma sanção financeira que envolva a realização de doações a instituições de solidariedade social ou ONG relevantes. Não existe consenso sobre se estas medidas incentivam eficazmente a consecução das metas.
O documento visa promover um entendimento coerente entre os participantes no mercado e promover a transparência na utilização de papel comercial sustentável. Destaca igualmente a necessidade de inovação contínua e desenvolvimento das melhores práticas para integrar plenamente o papel comercial no mercado financeiro sustentável e garantir que contribui eficazmente para o objetivo europeu de tornar a Europa neutra em termos de carbono até 2050.
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