2024-07-26T12:17:00
Espanha
O âmbito subjetivo da Diretiva: efeitos expansivos, mas controlados
Quem será impactado pela Diretiva CS3D?
26 de julho de 2024

Sustenibilidade e diligência devida empresarial


Após a nossa primeira publicação sobre a Diretiva (UE) 2024/1760 relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade (“CS3D”) (Ver Publicação | A CS3D em perspetiva), hoje refletimos sobre o âmbito subjetivo da CS3D e sobre os intervenientes no mercado global que serão impactados por ela.

A CS3D é uma norma ambiciosa que pretende garantir que as empresas que operam no mercado da UE mantenham um determinado padrão de conduta onde quer que realizem atividades, por elas mesmas,  através de subsidiárias e por meio de parceiros comerciais. Nesta publicação, abordaremos os seguintes pontos:

  •   “Efeito cascata” da CS3D para explicar como, apesar de a diretiva ter fixado limiares de aplicação subjetivos, os seus efeitos abrangem também as empresas de menor dimensão e todos os setores, direta ou indiretamente. E, por conseguinte, a norma contém disposições para controlar estes efeitos.
  • “Efeito Bruxelas” da CS3D para compreender que as empresas de outras regiões do globo também sentem os efeitos que a norma vai ter nas relações comerciais com os seus parceiros europeus.


 O âmbito subjetivo estabelecido pela CS3D

Os limiares que determinam o âmbito subjetivo de aplicação da CS3D foram um dos elementos que mais mudou nas versões da norma ao longo do processo legislativo. Ver Legal Flash | A Diretiva de Dever de Diligência na sua reta final.

Finalmente, estes ficaram fixados em valores elevados. A título de resumo, a CS3D vai obrigar:

  • As empresas da UE (ou empresa-mãe última de um grupo empresarial) que, durante dois exercícios consecutivos, tenham uma média de mais de 1000 trabalhadores e um volume de negócios mundial líquido superior a 450 milhões de euros.
  • As empresas não comunitárias que operem no mercado da União Europeia sem contar com as filiais constituídas segundo as normas de um Estado-membro, que atinjam o limiar de mais de 450 milhões de euros de volume de negócios, neste caso, realizados no mercado da União.
  • E finalmente, as empresas, tanto da UE, como não comunitárias, que exercem a sua atividade por meio de franquias ou licenças de terceiros quando os direitos anuais que paguem superem os 22,5 milhões de euros e tenham um volume de negócios líquido mundial para as primeiras, na UE para as segundas, superior a 80 milhões de euros. 

Estima-se que cerca de sete mil empresas seriam abrangidas por estes limiares, um número que para uns é aceitável e, para outros, escasso.


 Não obstante, o alcance da Diretiva é superior: o "efeito cascata"

A obrigação de diligência abrange tanto as operações da empresa obrigada, como as das suas filiais e as da sua cadeia de atividades. O dever de diligência na cadeia de atividades tem efeitos em cascata, estendendo-se “a jusante” aos parceiros comerciais diretos e “a montante” tanto aos parceiros comerciais diretos como indiretos, independentemente da sua dimensão.

Consciente do efeito expansivo da norma e dos seus riscos, o legislador procurou minimizá-los através de várias disposições destinadas a proteger os intervenientes empresariais nas cadeias de atividades e, em particular, as PME. Uma leitura conjunta das seguintes disposições traduz a forma como o legislador concebeu a obrigação de diligência como um padrão de conduta que pertence à esfera do obrigado e que deve cumprir, mediante o apoio e a colaboração, com (e não a transferência para) os intervenientes nas cadeias de atividades:

  •  Ordem e eficiência nos pedidos de informação: São definidas condições para os pedidos de informação aos parceiros comerciais para avaliar os riscos de efeitos adversos, a fim de que não se converta num encargo excessivo para os intervenientes na cadeia de atividades (art. 8.º, n.º 4).
  • Revisão das políticas e condições de compras internas: A empresa obrigada não pode limitar-se a incluir compromissos contratuais com os seus parceiros comerciais, pois deve igualmente rever as suas próprias políticas de compras e contratação para eliminar os riscos de efeitos adversos na cadeia de atividades (art. 10.º, n.º 2 e 11.º, n.º 3).
  • Cláusulas contratuais justas e equilibradas: Quando a empresa obrigada pedir aos seus parceiros comerciais, que sejam PME, compromissos e garantias contratuais como medida para prevenir, mitigar e eliminar efeitos adversos na cadeia de atividades, deve fazê-lo mediante cláusulas “justas, razoáveis e não discriminatórias”; e o custo das auditorias ou da supervisão do seu cumprimento será assumido pela empresa obrigada (art. 10.º, n.º 5 e 11.º, n.º 6).
  • Apoios: É definida a obrigação de proporcionar apoio, inclusivamente financeiro, às PME na cadeia de atividades (art. 10.º, n.º 2; 10.º, n.º 5; 11.º, n.º 3 e 11.º, n.º 6).
  • É possível sair de uma relação comercial, mas como último recurso e de uma forma responsável: A solução de suspender ou terminar a relação com um parceiro comercial na cadeia de atividades fundamentada no cumprimento dos deveres resultantes da diligência devida é regulada como um último recurso. Em todo o caso, deve ocorrer de forma responsável para não causar efeitos adversos mais graves do que aqueles a que se destina a evitar (arts. 11.7.º e 10.6.º).

 

 Além disso, a Diretiva tem efeitos fora do mercado da União: o "efeito Bruxelas"

Os efeitos da CS3D nas cadeias de atividades transnacionais farão com que a norma ultrapasse as fronteiras do mercado da União. O dever de diligência em matéria de direitos humanos e ambiente afetará as empresas e os operadores económicos que exercem a sua atividade nos mercados de outras regiões do mundo e que são parceiros comerciais, diretos ou indiretos, das empresas obrigadas pela norma europeia.

É possível que o “efeito Bruxelas” da CS3D resulte numa aceleração implementação do dever de diligência das empresas noutras jurisdições. Em todo o caso, e até então, a inclusão de cláusulas nos contratos com empresas de outras jurisdições deve ser acompanhada de diálogo, formação e colaboração com os parceiros comerciais que não sentem uma pressão regulatória nacional.

Por outro lado, a empresa obrigada deve manter uma aproximação ampla e flexível quanto ao âmbito material dos riscos reais e potenciais nos direitos humanos na sua cadeia de atividades. Especialmente nos países de regiões como a América Latina, nos quais a materialidade e a relevância de alguns direitos humanos como os dos povos e comunidades indígenas, têm uma ponderação que não está plasmada na CS3D. 

Na  próxima publicação discutiremos, com exatidão, o âmbito material do dever de diligência, ou seja, os direitos humanos e os ativos ambientais abrangidos pelo dever de diligência estabelecido na CS3D.

26 de julho de 2024