Caso Pharol: lidando com as cláusulas de não concorrência

2024-10-15T11:12:00
União Europeia
O TGUE clarifica aspetos relevantes sobre o âmbito e a validade das cláusulas de não concorrência
Caso Pharol: lidando com as cláusulas de não concorrência
15 de outubro de 2024

No passado dia 2 de outubro de 2024, o Tribunal Geral ("TG") da União Europeia indeferiu os pedidos da Pharol, SGPS S.A. ("Pharol", anteriormente denominada Portugal Telecom SGPS S.A.), contra a Decisão C(2022) 324 , de 25 de janeiro de 2022, através da qual a Comissão Europeia ("CE") tinha efetuado um novo cálculo da coima ("Decisão de revisão de cálculo") que tinha inicialmente aplicado à Pharol através da Decisão C (2013) 306 final, de 23 de janeiro de 2013 ("Decisão inicial").

No seu acórdão, disponível aqui, o TG confirmou a Decisão de efetuar um novo cálculo e reiterou que, ao sancionar a existência de uma cláusula de não concorrência, a CE deve analisar os mercados afetados pela mesma e os mercados em que exista concorrência potencial entre as partes, excluindo do cálculo das sanções as vendas em mercados em que as partes não sejam concorrentes potenciais.

Antecedentes 

Na sua Decisão inicial, a CE considerou que a cláusula de não concorrência constante do acordo entre a Telefónica S.A. ("Telefónica") e a Pharol no âmbito da aquisição do controlo exclusivo pela Telefónica da Vivo Participações, S.A. ("Vivo") era contrária ao direito da concorrência. 

A cláusula de não concorrência previa que ambas as partes se deviam abster de participar ou investir, direta ou indiretamente, no mercado ibérico, em particular nos setores das telecomunicações, dos serviços de telefonia fixa e móvel e dos serviços de Internet e televisão, exceto nos casos em que essas atividades já estivessem a decorrer ou em que já existissem investimentos previstos antes da assinatura do acordo. 

Ao avaliar os termos do acordo, a CE considerou que esta cláusula era anticoncorrencial, uma vez que implicava um acordo de partilha do mercado espanhol e português, ou seja, do mercado ibérico. É de salientar que, embora as partes tenham concordado que a cláusula era aplicável "na medida do permitido pela lei", nem a CE nem os tribunais europeus entenderam que esta referência era suficiente para considerar que a cláusula era lícita. 

Consequentemente, a CE sancionou ambas as empresas tendo em conta o valor das suas próprias vendas no seu país de origem e a duração das práticas (setembro de 2010 a fevereiro de 2011), e aplicou coimas de 66.894.000 EUR e 12.290.000 EUR à Telefónica e à Pharol, respetivamente. 

Ambas as empresas recorreram da Decisão inicial para o TG que, por acórdãos de 28 de junho de 2016 (processos T-208/13 - Portugal Telecom/Comissão (não foi objeto de recurso) e T-216/13 - Telefónica/Comissão (objeto de recurso perante o Tribunal de Justiça (“TJUE”), mas que foi indeferido: C-487/16 P - Telefónica/Comissão)), anulou a Decisão no que se refere à determinação das coimas, considerando que estas deviam ser sujeitas a um novo cálculo com base no valor das vendas das partes direta ou indiretamente relacionadas com a infração, por outras palavras, com a cláusula de não concorrência. Segundo o acórdão, a CE deveria determinar os serviços em que as empresas não se encontravam em situação de concorrência potencial no mercado ibérico e reduzir o montante das sanções, não contabilizando as vendas nesses mercados.

A Decisão de um novo cálculo e o (segundo) acórdão do TG 

Na Decisão de um novo cálculo, a CE reduziu a coima da Pharol de 12.290.000 EUR para 12.146.000 EUR. A Pharol interpôs recurso desta Decisão com o fundamento de que a CE analisou erroneamente o âmbito da cláusula de não concorrência com base, essencialmente, nos argumentos seguintes:

1.   Determinação da existência de concorrência potencial

No acórdão sobre a Decisão inicial, o TG argumentou que a CE devia efetuar um novo cálculo da sanção tendo em conta o valor das vendas direta ou indiretamente relacionadas com a infração, excluindo os serviços em que não existia uma situação de concorrência potencial no mercado ibérico entre a Pharol e a Telefónica.

A este respeito, a Pharol defendia que a CE se limitou a analisar os serviços em que existia — ou não — concorrência potencial com base na existência ou inexistência de barreiras intransponíveis, mas que também deveria ter tido em conta as possibilidades reais e concretas de entrada nesse mercado. Além disso, a Pharol alegou que a Telefónica não estava presente em nenhum dos mercados portugueses abrangidos pela cláusula a 27 de setembro de 2010.

Em particular, o TG entende que a CE terá avaliado a inexistência de concorrência potencial nos serviços de acesso grossista às infraestruturas de rede (física), nos serviços de venda por grosso para difusão televisiva digital e nos serviços de venda por grosso para difusão televisiva analógica terrestre, seguindo os critérios fixados no acórdão anterior e que, com base nesse facto, a CE efetuou um novo cálculo do montante da sanção excluindo as vendas desses serviços.

O TG rejeita a alegação da Pharol decidindo que a CE era obrigada, em conformidade com o acórdão anterior, a declarar a existência de barreiras intransponíveis à entrada nos mercados em análise, mas que impor-lhe, além disso, a obrigação de analisar as possibilidades reais e concretas de entrar nos mercados implicaria a imposição de requisitos mais rigorosos do que os previstos para análise de uma infração.

2.   Reavaliação da cláusula de não concorrência

A Pharol alegou que, com a Decisão de efetuar um novo cálculo, a CE teria violado o efeito de caso julgado assim como os seus direitos de defesa, ao ter considerado que a cláusula de não concorrência impedia as partes de tomar medidas preparatórias que permitissem a sua entrada num dos mercados previstos na cláusula, questão que não foi examinada na Decisão inicial.

O TG, após ter analisado os processos judiciais anteriores e a Decisão inicial, entende que a CE não terá violado o efeito de caso julgado, uma vez que os acórdãos anteriores não abordaram este ponto nem se pronunciaram a seu respeito.

Por outro lado, o TG também não considera que os direitos de defesa da Pharol tenham sido violados, uma vez que não entende que a CE deva adotar uma nota de ilicitude adicional para esta nova questão, sendo suficiente apresentá-la através de uma exposição escrita dos factos, mesmo que as partes não possam apresentar alegações contra a mesma. O TG esclarece que uma nota de ilicitude adicional só seria adequada em caso de novas alegações ou de alterações dos meios de prova.

Conclusão

Embora o TG tenha indeferido todas as alegações da recorrente, a relevância do caso reside na análise e na valoração das cláusulas de não concorrência.

As cláusulas de não concorrência, embora bem definidas e de acordo com a lei, costumam frequentemente suscitar desafios no âmbito do direito da concorrência, em parte devido à interpretação, mais ou menos heterogénea, que lhes pode ser dada pelas autoridades da concorrência. A relevância do presente processo reside no facto de o TG estabelecer que, no caso de uma cláusula de não concorrência ser considerada incompatível e anticoncorrencial, a CE não pode calcular a sanção com base nas vendas globais das partes, mas apenas limitar-se às que resultem de atividades em que as mesmas sejam concorrentes ou em que possa existir concorrência potencial entre as partes e que sejam abrangidas pela cláusula — o que, consoante o caso, poderá estender-se às autoridades nacionais da concorrência, em função do método de cálculo das coimas em conformidade com o seu direito nacional.

Sem prejuízo do referido, é de esperar que a Pharol recorra do acórdão para o TJUE, o qual terá a oportunidade de se pronunciar definitivamente sobre estas questões.

15 de outubro de 2024