Como pode o conflito Ucrânia-Rússia afetar as relações comerciais e de investimento?

2022-02-24T12:48:00
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O que fazer relativamente ao impacto que o conflito Ucrânia-Rússia possa ter nas relações comerciais e de investimento? Conselhos e reflexões

Como pode o conflito Ucrânia-Rússia afetar as relações comerciais e de investimento?
24 de fevereiro de 2022

O conflito entre a Rússia e a Ucrânia gera muitas incertezas.

O Direito Internacional reconhece a igualdade soberana dos Estados, a proibição da ameaça ou do uso de força armada e a obrigação de resolver disputas pacificamente. Perante uma intervenção armada russa, a Ucrânia deve decidir como manter a sua integridade territorial, o que implicaria invocar o direito inerente de autodefesa que pode ser exercido individual ou coletivamente. Tudo isto é reconhecido pela Carta das Nações Unidas, o quadro jurídico em que a questão deve ser resolvida por todos os atores envolvidos.

Indubitavelmente, qualquer conflito militar entre os dois Estados tem também sérias implicações nas relações entre os indivíduos e os Estados em causa, bem como entre os seus nacionais. Por conseguinte, qualquer operador jurídico com interesses na área afetada deve, desde já, considerar o impacto deste conflito nas suas relações comerciais e investimentos, tendo em conta a evolução dos acontecimentos no terreno, bem como as reações de Estados terceiros e da União Europeia.

Em primeiro lugar, existe uma dimensão óbvia que diz respeito à segurança física do pessoal e das instalações (no caso de investimentos no território em questão). Em tal cenário, o operador deve implementar protocolos de evacuação seguindo as recomendações das autoridades competentes, que têm vindo a solicitar a saída imediata da área, bem como a preservação dos ativos na medida do possível.

Em segundo lugar, há também um impacto óbvio na segurança jurídica no sentido de ser ou não possível manter as operações tal como têm vindo a ser mantidas. Dependendo do mercado a que se refere, o operador deve considerar pelo menos os seguintes cenários:

Por um lado, do ponto de vista da Ucrânia, se o seu território for ocupado e as comunicações forem interrompidas ou se se tornar difícil ou impossível manter uma atividade económica regular, o operador que aí exerce a sua atividade deverá analisar se a situação justifica uma cessação temporária do cumprimento das obrigações legais ou contratuais, próprias ou das suas contrapartes, devido à ocorrência de um facto qualificado como força maior, reconhecido como tal no contrato ou na lei aplicável à relação jurídica em questão. A título exemplificativo, poderiam imaginar-se casos como estes:

  • o Estado ucraniano, os seus organismos e empresas públicas poderiam cessar os pagamentos aos seus fornecedores de bens e serviços;
  • os produtores locais poderiam vir a entender que estão impossibilitados de continuar a produção devido à requisição das suas instalações para uso militar ou devido à evacuação ou ao alistamento de trabalhadores;
  • os exportadores e importadores poderiam sentir que não podem garantir a partida ou chegada dos seus bens e serviços de ou para a Ucrânia, em resultado da suspensão de voos, ligações marítimas ou terrestres;
  • no âmbito de financiamentos estruturados, uma entidade financeira poderia considerar a invocação de uma cláusula de “alteração material adversa” (MAC, material adverse change) em vez do regime geral de força maior.

Na mesma linha, se vier a ocorrer uma ocupação temporária ou permanente dos seus investimentos no território da Ucrânia, o operador pode iniciar uma reclamação (normalmente por arbitragem) ao abrigo de um tratado de proteção de investimentos, que proteja contra expropriações, danos resultantes de conflitos armados e, em geral, contra qualquer tratamento estatal que não seja considerado justo ou equitativo. Uma questão muito relevante é determinar contra que Estado a reclamação deve ser apresentada: neste sentido, existem precedentes de reclamações contra a Rússia na sequência da anexação da Península da Crimeia em 2014 por investidores que investiram quando ainda era território ucraniano de facto e que viram os seus investimentos afetados pelas novas autoridades russas.

Por outro lado, do ponto de vista da Rússia, vários Estados a título individual e a UE de forma organizada começaram a impor sanções comerciais contra aquele Estado, os seus líderes políticos e as suas empresas, sendo provável que sejam aprovadas mais sanções. Em tais circunstâncias, as entidades jurídicas com interesses ou relações com a Rússia devem permanecer atentas às normas que são adotadas, a fim de verificar se a sua atividade não se torna ilegal, mesmo que entendam que tal atividade não tem qualquer ligação com o conflito na Ucrânia. Por exemplo, será necessário analisar o seu impacto no âmbito de financiamentos estruturados, nos quais é habitual em que as partes incluam declarações e obrigações sobre esta matéria. Além disso, é provável que estas normas mudem rapidamente, tendo em conta o desenvolvimento desta crise.

Em conclusão, os factos já merecem uma análise calma dos riscos enfrentados por qualquer entidade que opere nos mercados russo e ucraniano. É conveniente examinar o teor literal dos contratos e as leis aplicáveis, a fim de antecipar se a contraparte poderá justificar o incumprimento das suas obrigações alegando motivos de força maior. Por outro lado, será necessário examinar e seguir atentamente as sanções que possam ser impostas pela comunidade internacional, a fim de as respeitar e cumprir devidamente.

24 de fevereiro de 2022