Acórdão do TJUE no Processo da Banca em Portugal

2024-08-02T10:59:00

Troca de informações sensíveis standalone pode ser uma restrição da concorrência por objeto

Acórdão do TJUE no Processo da Banca em Portugal
2 de agosto de 2024

No passado dia 29 de julho, o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE” ou “Tribunal”) pronunciou-se relativamente ao pedido de decisão prejudicial efetuado pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (“TCRS”) no contexto do conhecido “Processo da Banca”. O acórdão está disponível aqui.

Em síntese, em 2019, a Autoridade da Concorrência (“AdC”) condenou 14 instituições bancárias ao pagamento de coimas no valor global de 225 milhões de euros pela prática concertada de troca de informação comercial sensível, por um período de mais de dez anos (entre 2002 e 2013).

A maioria das instituições visadas no processo recorreram judicialmente daquela decisão junto do TCRS, alegando, nomeadamente, que a troca de informações nos mercados do crédito à habitação, ao consumo e a empresas, relativas a spreads e variáveis de risco, bem como aos valores de produção individualizados dos participantes nesse intercâmbio, não seriam, em si mesmas, suficientemente nocivas para poderem ser qualificadas como uma restrição da concorrência por objeto e que, por este motivo, a AdC deveria ter procedido ao exame dos seus efeitos no mercado.

Em abril de 2022, o TCRS proferiu sentença interlocutória indicando os factos que dera como provados, e decidindo suspender a instância e submeter ao TJUE duas questões prejudiciais, relativas à interpretação do artigo 101.º, n.os 1 e 3 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), nomeadamente, se os factos dados como provados pelo TCRS se poderiam qualificar, à luz daquela norma, como constituindo uma restrição da concorrência por objeto.

Sem prejuízo da análise que caberá ainda ao TCRS fazer no caso concreto, importa desde já dar conta do mais recente entendimento do Tribunal relativamente à troca de informações sensíveis entre concorrentes.

Concretamente, entende o TJUE que uma troca de informações comercialmente sensíveis recíproca e abrangente pode ser considerada como uma restrição da concorrência por objeto, quando ocorra em mercados com uma elevada concentração e barreiras à entrada e diga respeito a condições comerciais pelas quais a empresa concorre nesses mercados e que as empresas têm intenção de aplicar no futuro.

Mais, mesmo as informações que incidam sobre factos atuais ou passados podem ser consideradas informações estratégicas se das mesmas se puder inferir com suficiente precisão o comportamento futuro dos participantes ou as suas reações a um eventual movimento estratégico no mercado.

Por outro lado, a circunstância de a informação trocada dizer respeito apenas a um dos parâmetros à luz dos quais se estabelece a concorrência nos mercados em causa não exclui a possibilidade de que tal prática possa ser qualificada como uma restrição da concorrência por objeto.

E ainda, a troca de informações standalone (i.e., como prática isolada, e não acessória a qualquer acordo, prática concertada, ou decisão de associação de empresas anticoncorrencial) pode também constituir uma restrição da concorrência por objeto, na aceção do artigo 101.º, n.º 1 do TFUE, desde que apresente características que, tendo em conta a natureza dos bens ou dos serviços em questão, as condições reais do funcionamento e a estrutura do mercado, apenas se possa traduzir numa forma de coordenação entre empresas suscetível de criar condições prejudiciais ao correto e normal funcionamento da concorrência no mercado em causa.

Não obstante, o TJUE recordou que o conceito jurídico de restrição por objeto deve ser interpretado de forma estrita. Com efeito, para qualificar um acordo, uma prática concertada, ou decisão de associação de empresas, como tal, é necessário examinar, no caso concreto, (i) o respetivo teor, (ii) o contexto económico e jurídico em que se insere e (iii) os objetivos que visa alcançar.

Neste sentido, a análise dos elementos suprarreferidos deve revelar os factos concretos pelos quais a conduta em causa apresenta um grau suficiente de nocividade para a concorrência. Acresce que, para ser qualificada como restrição por objeto, deverá inexistir qualquer outra explicação economicamente racional que não a prossecução de um objetivo contrário ao princípio da livre concorrência.

Em todo o caso, importa notar que a admissibilidade dos pedidos prejudiciais está limitada à interpretação ou validade de um texto normativo da União e não se debruça sobre o objeto do litígio do caso em apreço, nem verifica se a hipótese descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio corresponde à situação real, pelo que caberá ainda ao TCRS proceder às apreciações factuais necessárias para determinar se a troca de informação em causa constituiu efetivamente uma restrição da concorrência por objeto.

2 de agosto de 2024