A IA no contexto laboral: Impacto na gestão empresarial

2025-01-20T09:10:00
Espanha Portugal União Europeia
O Regulamento de IA inclui formação e capacitação obrigatória a partir de fevereiro de 2025
A IA no contexto laboral: Impacto na gestão empresarial
20 de janeiro de 2025

A Inteligência Artificial (IA) está a transformar rapidamente o mundo do trabalho, oferecendo tanto oportunidades, como desafios. A IA nas relações laborais tem atualmente duas grandes aplicações:

  • a IA como instrumento de gestão de trabalhadores, incluindo avaliação de candidatos a emprego, promoções na carreira, atribuição de tarefas e distribuição de tempo de trabalho; e
  • a IA como instrumento de trabalho, disponibilizada aos trabalhadores para, fundamentalmente, melhorar a produtividade. Em ambas as facetas, as empresas devem cumprir, pelo menos em Espanha e Portugal, uma série de obrigações legais e recomendações práticas para evitar sanções e garantir uma gestão responsável. Neste artigo, analisamos as recentes novidades na União Europeia que afetam o uso da IA tanto como instrumento de gestão de trabalhadores, como instrumento de trabalho.

A IA como instrumento de gestão de trabalhadores

  • A primeira norma que, de forma expressa, introduziu obrigações para o uso da IA como instrumento de gestão encontra-se no Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), cujos artigos 13.2.f), 14.2.g), 15.1.h), 22 ou 35.3.a), regulam as decisões individuais automatizadas e estabelecem, entre outras, obrigações de informação e de avaliação de impacto. Além disso, reconhece aos trabalhadores o direito a não serem objeto de decisões baseadas unicamente no tratamento automatizado, salvo exceções específicas.
  • Ao RGPD seguiu-se, em Espanha, a reforma introduzida no artigo 64 do Estatuto dos Trabalhadores através da Lei 12/2021 — conhecida como "Lei Rider" —, obrigando os empregadores a informar os representantes legais dos trabalhadores sobre "os parâmetros, regras e instruções" dos algoritmos e sistemas de IA que afetam as condições de trabalho (para conhecer o alcance desta obrigação, veja-se o Post | O dever de informação algorítmica não inclui revelar o código fonte.
  • Em Portugal, a Agenda do Trabalho Digno introduziu várias alterações no Código do Trabalho (veja-se o Guia Prático Agenda do Trabalho Digno). Desde maio de 2023, prevê-se um dever de informação tanto aos trabalhadores de forma individual, como às comissões de trabalhadores e aos delegados sindicais (quanto a estes últimos, há também o dever de consulta) em matéria de algoritmos e sistemas de IA que afetem a tomada de decisões sobre as condições de trabalho, bem como o acesso e a manutenção do emprego, incluindo a elaboração de perfis e o controlo da atividade profissional.
  • Em vigor desde agosto de 2024, o Regulamento de Inteligência Artificial (RIA), publicado no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE) a 12 de julho de 2024, proíbe o uso de sistemas de IA para inferir as emoções de uma pessoa física no local de trabalho, exceto por motivos médicos ou de segurança. Além disso, classifica como de risco elevado aqueles sistemas de IA destinados: (i) ao recrutamento e seleção de trabalhadores; e (ii) à tomada de decisões que afetem as condições de trabalho, a atribuição de tarefas com base em comportamentos individuais, traços ou características pessoais, bem como para controlar e avaliar o desempenho e o comportamento dos trabalhadores (para mais informações, veja-se Regulamento de IA: Guia Prático). A classificação de um sistema como sendo de risco elevado impõe às empresas uma série de obrigações no plano laboral, como realizar uma avaliação de impacto relativa aos direitos fundamentais, informar os trabalhadores e os seus representantes da implementação de tal sistema "nos termos do direito e das práticas da União ou nacionais", e garantir a supervisão humana. Estas obrigações entrarão em vigor a partir de 2 de agosto de 2026, sem prejuízo das obrigações já existentes em cada país.

A IA como instrumento de trabalho

Embora não haja regulamentação específica sobre o uso da IA como instrumento de trabalho nem na legislação nacional, nem na legislação europeia, existem, no entanto, recomendações e boas práticas que as empresas devem seguir para evitar conflitos e problemas de gestão.

De facto, é recomendável que as empresas que permitam o uso de IA como instrumento de trabalho:

  • Realizem auditorias internas e externas para assegurar que o uso da IA cumpre com o RIA e outras disposições legais. Estas auditorias ajudam a identificar e corrigir possíveis problemas e garantem um uso ético e seguro da tecnologia.
  • Organizem e ofereçam formação contínua aos trabalhadores sobre o bom uso quer em termos técnicos, quer éticos, das ferramentas de IA. Isto inclui conhecer as implicações legais da tecnologia e zelar pela correta gestão de dados.
  • Estabeleçam políticas internas sobre o uso de IA no local de trabalho, estabelecendo limites e condições para o seu uso responsável e alinhado com os objetivos corporativos, assegurando transparência e equidade.
  • Garantam que a integração de ferramentas de IA está em consonância com outras políticas internas existentes, especialmente as relacionadas com a proteção de dados e o uso de equipamentos eletrónicos.
  • Comuniquem de forma clara e aberta aos trabalhadores sobre o uso da IA, explicando os benefícios, riscos e medidas de mitigação, para fomentar a confiança e a colaboração.
  • Supervisionem o impacto da IA na segurança e saúde dos trabalhadores, monitorizando possíveis efeitos adversos e tomando medidas corretivas, quando necessário.
  • Adotem medidas robustas de segurança informática para proteger os sistemas e dados contra ciberataques e acessos não autorizados, incluindo a atualização regular de software e sistemas de segurança.
  • Estabeleçam processos contínuos de acompanhamento e avaliação do uso da IA que lhes permitam adaptar-se rapidamente às mudanças e garantir um uso benéfico e seguro da tecnologia.

No que respeita à formação, é importante ter em conta que, a partir do próximo 2 de fevereiro de 2025, os prestadores e os responsáveis pela implantação de IA deverão adotar medidas para garantir que, na medida do possível, os trabalhadores que se encarreguem em seu nome da operação e da utilização de sistemas de IA tenha um nível suficiente de literacia no domínio da IA, tendo em conta os seus conhecimentos técnicos, a sua experiência, a sua educação e as suas qualificações académicas, bem como o contexto previsto de uso dos sistemas de IA e as pessoas ou os coletivos de pessoas visadas por essa utilização. Esta nova obrigação não só reforça a segurança e o uso ético da tecnologia, como também pode posicionar as organizações como referências na implementação de práticas responsáveis e sustentáveis no âmbito tecnológico.

Conclusão

A IA tornou-se um instrumento essencial no âmbito laboral, seja para a gestão de trabalhadores, seja como instrumento de trabalho. É crucial aproveitar o seu potencial de forma responsável, proporcionando formação e informação clara para maximizar os benefícios da IA, enquanto se minimizam os riscos.

With great power comes great responsibility

Frase popularizada pelo Filme SpiderMan

20 de janeiro de 2025