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SubscreverSustentabilidade e diligência devida empresarial
Na sétima publicação sobre a Diretiva (UE) 2024/1760 relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade (“CS3D”), refletimos sobre a forma como este regulamento afeta as relações contratuais existentes entre as empresas obrigadas e os seus parceiros comerciais. Do ponto de vista do direito dos contratos, a CS3D implica a novação destas relações contratuais e, potencialmente, a necessidade de suspender ou terminar a relação.
Esta reflexão surge na sequência da publicação, a 29 de janeiro, do novo plano de ação da Comissão Europeia para os próximos cinco anos, o Compasso da Competitividade. O plano prevê a publicação de uma proposta a 26 de fevereiro:
- "Simplificação profunda dos relatórios financeiros sustentáveis, do dever de diligência em matéria de sustentabilidade e da taxonomia”.
- Criação de uma nova categoria de empresa, a média-pequena empresa.
Tudo isto poderá influenciar a extensão e o alcance dos efeitos da CS3D nas cadeias de atividades.
Pode aceder às publicações anteriores desta série em:
Publicação | A CS3D em perspetiva
Publicação | Quem será impactado pela Diretiva CS3D?
Publicação | Que bens jurídicos são protegidos pela CS3D?
Publicação | A abordagem dos riscos
Publicação | O caso Shell e as suas possíveis implicações para o dever de diligência das empresas
Publicação | O dever de eliminar e de reparar, para além da compensação financeira.
CS3D e relações contratuais com parceiros comerciais
O cumprimento dos deveres que integram o dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade passa, inevitavelmente, pela análise das relações contratuais (escritas ou verbais) da empresa obrigada com os seus parceiros comerciais:
- Para identificar e avaliar os efeitos negativos, a empresa obrigada deve solicitar informações aos seus parceiros de negócio (n.ºs 2 do artigo 8.º e n.º 4 do artigo 8.º da CS3D).
- Tanto para prevenir potenciais efeitos negativos como para eliminar os efeitos negativos reais, a CS3D exige que se procurem garantias contratuais dos parceiros comerciais sobre o cumprimento dos códigos de conduta e dos planos de prevenção e correção, bem como a adaptação das práticas de compra e a prestação de apoio às PME (n.º 2 e 5 do artigo 10.º; n.º 2 do artigo 11.º e do n.º 6 do artigo 11.º da CS3D).
A Diretiva CS3D inclui regras para delimitar os efeitos destas alterações nas relações contratuais com os intervenientes na cadeia de atividades (ver Publicação | Quem será afetado pela Diretiva CS3D?).
Em suma, a Diretiva promove a transparência e a cooperação entre os intervenientes na cadeia de atividades, o que em muitos casos - se não em todos - conduzirá a uma modificação da relação contratual existente entre a empresa obrigada e os seus parceiros comerciais.
A CS3D está consciente de que a capacidade de aplicar as medidas acima referidas dependerá da influência que as empresas obrigadas têm sobre os seus parceiros comerciais. Por influência sobre um parceiro comercial entende-se “a capacidade para persuadir o parceiro comercial a prevenir efeitos negativos [...] e, por outro, o grau de influência ou de alavancagem que a empresa poderá razoavelmente exercer, por exemplo, através da cooperação com o parceiro comercial em questão ou da colaboração com outra empresa que seja o parceiro comercial direto do parceiro comercial associado ao efeito negativo” (considerando 45).
Pela dimensão das empresas obrigadas, poder-se-ia concluir que estas terão normalmente essa influência sobre os parceiros comerciais da sua cadeia de atividades. No entanto, embora tal possa ser verdade em muitos casos, nem sempre será esse o caso.
Novação dos contratos
Do ponto de vista do direito dos contratos, a alteração ou novação de um contrato exige o consentimento de ambas as partes na relação.
Para promover um enquadramento jurídico seguro no processo de adaptação dos contratos existentes ao abrigo da CS3D, parece importante ter em conta dois elementos essenciais:
- A transposição da CS3D para os Estados-Membros da UE deverá proporcionar às empresas obrigadas mecanismos de adaptação das suas relações comerciais às novas exigências regulamentares ou, pelo menos, estabelecer claramente a integração dos contratos existentes nas novas obrigações impostas pela CS3D. Só assim os recursos contratuais (que podem ir até à rescisão) poderão funcionar com a desejável segurança jurídica.
- Na novação, deve ser integrado não apenas um compromisso abstrato e unilateral do parceiro de negócio de aplicar um padrão de conduta alinhado com o dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade, mas também devem ser regulados os mecanismos essenciais para promover o seu cumprimento. Por exemplo:
- uma clara atribuição e distribuição das responsabilidades de cada parte;
- um regime de acesso à informação, incluindo a informação resultante da utilização de mecanismos de reclamação ou denúncia;
- mecanismos de diálogo e colaboração, apoio e reforço das capacidades;
- um sistema eficaz de resolução de litígios com os titulares de direitos e, se for caso disso, entre as partes no contrato, incluindo quaisquer direitos de recurso que possam existir entre elas.
A Comissão Europeia, em consulta com os Estados-Membros e as partes interessadas, deve emitir - o mais tardar em janeiro de 2027 - orientações sobre as cláusulas contratuais (o último projeto do grupo que trabalha nesta questão está disponível aqui).
Soluções em caso de impossibilidade de novação
Dado que nem todas as empresas da cadeia de atividades serão empresas vinculadas pela CS3D, é possível que nem todos os parceiros comerciais concordem com a novação.
Em caso de relutância por parte dos parceiros comerciais em alterar os contratos para introduzir novas obrigações e garantias contratuais, há que ter em conta o conteúdo de cada contrato e os mecanismos que, pelo menos por enquanto e enquanto se aguarda a regra de transposição, estão previstos no nosso sistema jurídico (ou no ordenamento jurídico aplicável ao contrato).
Algumas das figuras que podem servir de alavanca para persuadir à modificação das relações comerciais com o objetivo de as adaptar à nova realidade normativa imposta pela CS3D são:
- A invocação da cláusula rebus sic stantibus que o contrato pode conter, embora o cumprimento dos requisitos para a aplicação desta doutrina ao caso possa ser complexo.
- A suspensão do cumprimento das obrigações, figura expressamente citada pela CS3D que, embora não esteja refletida no nosso Código Civil, não é de todo estranha na nossa prática contratual (por exemplo, o art. 71º da Convenção das Nações Unidas sobre os Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias, ou mesmo a exceptio non rite adimpleti contractus).
- Resolução do contrato por incumprimento ou impossibilidade superveniente de cumprimento. Na medida em que ambas as soluções conduzem à extinção da relação jurídica, serão de último recurso.
Será necessariamente necessário ponderar as circunstâncias concomitantes, uma vez que nenhuma das figuras acima referidas é isenta de dificuldades, pois todas elas têm requisitos próprios definidos nas normas e na jurisprudência que podem dificultar o seu enquadramento no caso concreto. Em todo o caso, todos eles podem constituir instrumentos que poderão vir a revelar-se úteis para motivar uma verdadeira mudança na cadeia de atividades.
Reflexões
- A adaptação das relações comerciais na cadeia de atividades aos requisitos da norma do dever de diligência aponta para a necessidade de uma transposição da CS3D para fornecer instrumentos de direito dos contratos em tempo útil, a fim de dar segurança jurídica às empresas obrigadas e às que se encontram nas suas cadeias de atividades.
- Enquanto se aguarda o resultado destas regras de transposição, e também enquanto se aguarda a conclusão dos trabalhos da Comissão Europeia no âmbito do quadro anunciado no seu plano de ação “Compasso da Competitividade”, é aconselhável manter uma posição razoável, justa e proporcionada face ao cenário inevitável de alterações nas relações com os parceiros comerciais (também por parte das empresas não obrigadas pela CS3D, mas que fazem parte das cadeias de atividade das empresas obrigadas).
- Este cenário passa necessariamente pela tentativa de uma solução consensual que vise adequar o conteúdo contratual de cada relação em termos equilibrados e eficazes, de modo a permitir cadeias de atividades alinhadas com o padrão de sustentabilidade e responsabilidade da CS3D.
- Todas as ações e tentativas das empresas nesse sentido serão tidas em consideração para avaliar a sua diligência na prevenção e mitigação dos efeitos negativos, o que é essencial, tendo em conta que a CS3D impõe uma obrigação de meios.
- Em todo o caso, teremos de estar atentos a eventuais alterações resultantes da próxima reunião da Comissão Europeia, no final de fevereiro, para verificar se os planos para a competitividade têm algum efeito na atual regulamentação dos efeitos da CS3D nas relações com os parceiros comerciais das empresas obrigadas.
Até breve.
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