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SubscreverNos dias que correm, existe, cada vez mais, apetite dos investidores (particulares e institucionais) pela utilização de criptoativos em projetos e transações imobiliárias. Se, por um lado, existe esse interesse crescente dos investidores, por outro lado, também existe incerteza e alguma desinformação que pode prejudicar a confiança neste novo modelo de transações.
Até ao momento, não existe ainda em Portugal, nem ao nível da União Europeia, um enquadramento legal e regulamentar específico sobre as transações imobiliárias que envolvam a transmissão de criptoativos.
Na ausência de um acordo específico sobre os meios de pagamento, os credores são obrigados a aceitar os pagamentos em euros.
As partes podem igualmente acordar na realização de transações que utilizem outras moedas oficiais (por exemplo, o dólar americano ou até a Bitcoin, que já é considerada moeda em, pelo menos, dois países).
Dito isto, importa desmistificar como o ordenamento jurídico português abre portas a este novo tipo de negócios:
1. À transmissão onerosa do imóvel com recurso a criptoativos não será aplicável o regime da compra e venda, mas sim o regime da permuta
A compra e venda é o contrato através do qual se transmite a propriedade de uma coisa, mediante um preço. Este negócio tem como efeitos essenciais:
a) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito;
b) A obrigação de entregar a coisa;
c) A obrigação de pagar o preço.
Conforme acima referimos, a União Europeia não reconhece oficialmente, à data de hoje, nenhum criptoativo como meio de pagamento. Logo, uma transmissão imobiliária não pode ser acordada mediante o pagamento de um preço através de criptoativos. Todavia, é possível celebrar um contrato de permuta – também designado por contrato de troca – o qual consiste num contrato inominado e não tipificado no Código Civil sendo-lhe aplicáveis, dada a sua natureza de contrato oneroso, as disposições relativas ao contrato de compra e venda (de acordo com o previsto no artigo 939.º do Código Civil), com as devidas adaptações. A realidade que lhe está subjacente difere da compra e venda uma vez que o negócio de permuta implica duas transmissões recíprocas de bens (em que as respetivas contraprestações não são um pagamento de preço, mas sim a transmissão do bem alienado pela contraparte nesse mesmo contrato).
Face ao que antecede, as partes podem transmitir um bem imóvel em troca de outro bem (neste caso os criptoativos), atribuindo a cada um desses bens objeto de permuta um valor, podendo ocorrer um encontro de contas, ou, caso exista um diferencial de valores entre os bens, o pagamento de tornas.
2. Tributação aferida de forma similar à compra e venda, não podendo ser realizada em criptoativos
No caso de permuta entre dois bens imóveis, o Código do IMT só tributa o contraente que receber o bem imóvel de maior valor (pelo valor dessa diferença), considerando para os devidos efeitos de determinação do montante tributável correspondente a esta diferença, a diferença de valores (declarados ou patrimoniais tributários, se superiores) entre os dois bens imóveis permutados.
É importante sublinhar que, no caso de uma permuta entre um bem imóvel e criptoativos, a parte à qual é transmitido o imóvel ficará responsável pelo pagamento do IMT e Imposto do Selo, nos termos gerais aplicáveis. Com efeito, o IMT e o Imposto do Selo incidirão sobre o valor atribuído ao imóvel na permuta ou sobre o valor patrimonial tributário do imóvel, consoante o que for maior. Alertamos que a liquidação de IMT e Imposto de Selo não pode ser realizada em criptoativos, tendo de ser realizada em euros e em moeda reconhecida e aceite como meio de pagamento pelo Banco de Portugal.
3. Afastamento de direitos de preferência legais
Finalmente, e em relação aos contratos de arrendamento que possam, porventura, estar em vigor à data da outorga da permuta, de acordo com a regra geral, o direito de preferência conferido a arrendatários só existirá relativamente a local arrendado há mais de dois anos e se este for objeto de “contrato de compra e venda ou de dação em cumprimento”, não fazendo a lei alusão expressa a qualquer outro tipo contratual, designadamente à troca ou permuta.
O mesmo racional se aplica ao direito de preferência legal atribuído a determinadas entidades públicas, nomeadamente, mas sem limitar, o que resulta da localização do imóvel (e.g. áreas de reabilitação urbana) ou do respetivo regime de proteção (e.g. imóveis que integram o património cultural). O direito de preferência legal das entidades públicas também só se aplicará à transmissão de imóveis a título oneroso, excetuada a permuta.
Concluímos assim que, à partida, perante uma permuta de um imóvel por criptoativos não haverá lugar a direito de preferência.
Tendo em conta a atipicidade e o caráter inovador de operações de natureza imobiliária com criptoativos, não deixamos de antecipar algumas recomendações que as partes devem acautelar nestes contratos:
> Salvaguardar a prova de titularidade dos criptoativos
Neste ponto, é importante ressalvar a necessidade de demonstração da capacidade de dispor livremente dos criptoativos utilizados na permuta, bem como a sua origem (“prova dos fundos”). No tipo de negócios em causa, esta prova pode ser feita de diversas maneiras, das quais destacamos as seguintes : i) demonstrando a titularidade de uma determinada carteira (“wallet”) que contenha os criptoativos, através da assinatura de uma mensagem usando as capacidades criptográficas da blockchain em questão; ii) fazendo uma transferência de baixo valor da wallet do comprador para a wallet do vendedor, mecanismo também usado no mercado OTC de criptoativos; iii) solicitando informação especificada a um determinado centralized exchange de criptoativos, onde para além da prova de fundos também constará informação sobre o titular da conta.
> Atestar a transferência simultânea dos bens na execução da permuta
Neste tipo de transações utilizando criptoativos, deverá certificar-se a existência das wallets, do comprador e do vendedor, bem como o pagamento efetuado de uma carteira para outra, assim como o valor de mercado do criptoativos em euros no momento em que a transação vai ter lugar. Além disso, o contrato que titule estas transações deverá refletir toda a informação relevante sobre a origem, destino e código alfanumérico ou hash, tanto das carteiras como da transação.
Estando os criptoativos assentes numa base de dados pública, facilmente se verifica a origem e destino, bem como a comprovação da efetiva transferência dos criptoativos, através de um block explorer da respetiva blockchain utilizada.
> Prevenção de branqueamento de capitais
Considerando que, à data de hoje, as transações imobiliárias já são vistas por si só como uma forma de investimento propícia ao potencial branqueamento de capitais, antecipamos, face aquilo que é o atual panorama legislativo na prevenção e combate ao branqueamento de capitais, que a permuta de criptoativos (ou “ativos virtuais”, conforme o disposto na legislação portuguesa sobre prevenção de branqueamento de capitais) por imóveis será considerada, também ela, uma operação de risco.
Face ao que antecede, é expectável que as partes num negócio de permuta estejam obrigadas, eventualmente, a demonstrar (pelo menos): (i) a propriedade; (ii) o registo da aquisição na wallet; (iii) a origem dos fundos para aquisição dos criptoativos; e (iv) o último beneficiário efetivo, se a cripto moeda a permutar for detida por uma sociedade. Adicionalmente, as partes poderão ser obrigadas a cumprir com determinados deveres de reporte/informação da transação em função, designadamente, dos valores envolvidos na transação.
Sobre este aspeto convém ainda considerar um relatório bastante recente, de fevereiro de 2022, através do qual o Departamento do Tesouro dos EUA veio evidenciar que as moedas fiduciárias continuam a ser a opção preferida para atividades criminosas, e o respetivo branqueamento desses capitais, dada a sua virtualmente impossível rastreabilidade, ao contrário das transações com criptoativos. Segundo dados bastante recentes da Chainalysis (empresa especializada em serviços de know-your-transaction), também de fevereiro deste ano, apenas 0,15% das transações com criptoativos estão de algum modo ligadas a atividades criminosas. Como já referido anteriormente, é relativamente fácil demonstrar o fluxo de uma determinada quantia de criptoativos, desde o momento da sua aquisição com moeda fiduciária até ao momento em que o criptoativo é transferido para uma outra carteira, neste caso concreto, a do vendedor de um imóvel.
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