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SubscreverA 24 de outubro de 2024, o Tribunal de Justiça da União Europeia ("TJUE") pôs termo ao chamado "processo Intel" após mais de 20 anos de batalha jurídica. No seu segundo acórdão, disponível aqui, o TJUE confirmou o acórdão do Tribunal Geral ("TGUE") que anulara a decisão da Comissão Europeia ("Comissão") que aplicou uma coima de 1,06 mil milhões de euros à Intel Corporation Inc. ("Intel") por abuso de posição dominante.
As práticas da Intel
No ano 2000, a Advanced Micro Devices Inc. ("AMD"), concorrente da Intel no mercado de microprocessadores para computadores, apresentou uma denúncia à Comissão alegando que a Intel estava a abusar da sua posição dominante nesse mercado.
A Comissão iniciou uma investigação na sequência da denúncia e, em 2009, adotou uma decisão ("Decisão") na qual concluiu que a Intel era responsável por uma infração única e continuada ao artigo 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”). Concretamente, a Comissão considerou que a Intel deteve uma posição dominante no mercado dos microprocessadores de arquitetura x86 (“CPU x86”), pelo menos, no período de 1997 a 2007 e que, aproveitando-se dessa posição, de 2002 a 2007 implementou uma estratégia com o objetivo de excluir a AMD desse mercado.
Segundo a Comissão, a estratégia da Intel baseava-se em dois tipos de prática. Por um lado, a Intel tinha concebido e implementado um sistema de fidelização nas suas relações comerciais com quatro fabricantes de equipamento informático (Dell, Hewlett-Packard Co, NEC e Lenovo) e com um importante distribuidor europeu desse equipamento e outros dispositivos eletrónicos (Media-Saturn-Holding GmbH). No que diz respeito aos fabricantes, a Intel concebeu um sistema de descontos cuja aplicação dependia da compra pelos fabricantes à Intel da totalidade ou da quase totalidade dos CPUs x86 de que precisavam. No que diz respeito ao distribuidor, a Intel efetuava pagamentos na condição de o distribuidor vender exclusivamente produtos equipados com CPUs x86 da Intel.
Por outro lado, a Comissão identificou outras práticas da Intel que classificou como restrições não dissimuladas (ou naked restrictions). Concretamente, a Intel efetuava pagamentos a três fabricantes de computadores para adiarem ou cancelarem o lançamento de produtos equipados com CPUs x86 da AMD, ou para imporem restrições à distribuição desses produtos.
Por tudo o referido, a Comissão aplicou uma coima de 1,06 mil milhões de euros à Intel, a mais elevada de sempre em matéria de abuso de posição dominante.
A primeira revisão judicial da Decisão
A Intel recorreu da Decisão da Comissão para o Tribunal Geral ("TGUE") que, por acórdão de 12 de junho de 2014 (disponível em inglês), rejeitou o recurso na íntegra e confirmou a Decisão da Comissão.
Em contrapartida, tendo sido interposto recurso desse acórdão, o TJUE, por acórdão de 6 de setembro de 2017 (o "Primeiro Acórdão Intel", disponível aqui), concedeu provimento parcial ao recurso da Intel, anulou o acórdão do TGUE e devolveu o processo a este último para reapreciação dos argumentos da Intel relativos ao teste do concorrente igualmente eficiente (“as-efficient competitor test”, o AEC). De acordo com este teste, que é geralmente aplicado na análise de práticas com base no preço (ou nos seus componentes), uma prática constitui abuso de posição dominante se for suscetível de expulsar do mercado um concorrente pelo menos tão eficiente como a empresa dominante que a exerce.
Neste importante acórdão, o TJUE considerou que o TGUE não tinha analisado os descontos da Intel à luz de todas as circunstâncias relevantes e, em particular, dos argumentos da Intel que pretendiam questionar a análise da Comissão na verificação do teste do concorrente igualmente eficiente. O TJUE concluiu que, embora se possa presumir que os descontos de fidelização de um operador dominante constituem uma infração ao artigo 102.º do TFUE, é necessário analisar os seus efeitos e, se o operador dominante alegar, com provas que o sustentem, que a sua prática não era suscetível de restringir a concorrência ou de produzir efeitos de exclusão, a Comissão é obrigada a analisar esses argumentos e, se for caso disso, a demonstrar a eventual existência de uma estratégia destinada a excluir concorrentes igualmente eficientes.
Em suma, este acórdão veio marcar uma evolução da aplicação do artigo 102.º do TFUE no seu todo, centrando a análise nos efeitos produzidos pelas práticas em causa.
O segundo acórdão do TGUE: anulação parcial da Decisão
Na sequência do Primeiro Acórdão Intel do TJUE, o processo baixou ao TGUE, que proferiu novo acórdão a 26 de janeiro de 2022 (disponível aqui), pelo qual anulou parcialmente a Decisão da Comissão e a coima aplicada à Intel.
Neste segundo acórdão, tal como estabelecido pelo TJUE no Primeiro Acórdão Intel, o TGUE apreciou os argumentos da Intel sobre o teste do concorrente igualmente eficiente e concluiu que a Comissão tinha cometido vários erros na aplicação desse teste no que respeita ao primeiro conjunto de práticas da Intel, isto é, o sistema de descontos de fidelização aos fabricantes e os pagamentos ao distribuidor. O TGUE considerou que a Comissão não tinha demonstrado de forma suficiente que os descontos da Intel eram suscetíveis de excluir do mercado um concorrente igualmente eficiente e, em consequência, anulou a Decisão no que respeita a estas práticas e à coima aplicada.
Em contrapartida, o TGUE manteve a validade da Decisão no que respeita às restrições não dissimuladas que a Intel não tinha contestado. Em consequência, a Comissão adotou uma nova decisão através da qual aplicou uma coima de 376,4 milhões de euros, da qual a Intel também recorreu para o TGUE, e que se encontra pendente de resolução.
O segundo acórdão Intel do TJUE
À luz deste segundo acórdão do TGUE, e contrariamente ao que ocorreu no caso do primeiro, foi a Comissão que interpôs recurso perante o TJUE em defesa da Decisão. No seu recente acórdão, contudo, o TJUE rejeitou todos os argumentos da Comissão, confirmando a decisão do TGUE e pondo termo a este litígio de longa data.
Com este segundo acórdão, o TJUE dá continuidade e consolida o posicionamento que já tinha adotado no seu acórdão de 2017, no qual considerou que os descontos de fidelização não podiam ser considerados uma restrição em abstrato e sem necessidade de consideração adicional, sendo necessário ter em conta todas as circunstâncias relevantes. Desta forma, o TJUE afasta-se de uma análise mecanicista baseada em presunções de restrição para defender uma análise dos efeitos restritivos da prática sob análise.
Além disso, o acórdão do TJUE revela-se importante na medida em que aborda e clarifica a aplicação do teste do concorrente igualmente eficiente. Nomeadamente, o TJUE considera que o teste do as-efficient competitor como a forma geral (general rule) de avaliar os descontos de fidelização sob o prisma do artigo 102.º do TFUE, embora não seja a única forma, nem sequer é determinante por si só. Em todo o caso, o TJUE salienta que, se for caso disso, esse teste deve ser efetuado de forma rigorosa, incluindo todas as circunstâncias relevantes, e que compete ao TGUE apreciar qualquer alegação que ponha em causa a análise da Comissão, quer no que respeita aos elementos factuais em que a Comissão se baseia quer à aplicação do próprio teste.
Comentários
O acórdão do TJUE, tal como outros acórdãos recentes dos tribunais europeus em matéria de abuso de posição dominante, coincidiu no tempo com a revisão pela Comissão das suas orientações para a aplicação do artigo 102.º do TFUE que deverão necessariamente refletir as disposições do segundo acórdão Intel. A Comissão terá assim a oportunidade de rever o projeto inicial de orientações que disponibilizou para consulta pública e, em alguns aspetos, deverá alterar o posicionamento inicial para adequar a abordagem a estas decisões.
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