Subvenções estrangeiras: a Comissão esclarece conceitos essenciais para a sua aplicação

2024-07-30T13:29:00
União Europeia
A Comissão publica um documento de trabalho, não vinculativo, mas com explicações e exemplos
Subvenções estrangeiras: a Comissão esclarece conceitos essenciais para a sua aplicação
30 de julho de 2024

O Regulamento (UE) 2022/2560 relativo às subvenções estrangeiras que distorcem o mercado interno (ou “FSR”, sigla em inglês para Foreign Subsidies Regulation, aqui) entrou em vigor em 12 de julho de 2023. O principal objetivo do FSR é controlar as subvenções outorgadas por países terceiros às empresas que operam no mercado interno. Para o efeito, o FSR dotou a Comissão Europeia de poderes de investigação para prevenir ou corrigir eventuais distorções que essas subvenções possam gerar no funcionamento do mercado e, em última instância, para garantir que as empresas concorram em condições de concorrência equitativas.

Desde a sua entrada em vigor, a Comissão Europeia realizou várias investigações ao abrigo do FSR, incluindo inspeções  sem aviso prévio (como referimos aqui), principalmente em relação a propostas apresentadas em concursos públicos (como explicámos neste Legal Flash |(Regulamentação da UE em matéria de subvenções estrangeiras e contratos públicos).

Apesar destas ações, a Comissão Europeia ainda não adotou qualquer decisão - pública - que permita conhecer os aspetos substantivos da aplicação do FSR, a sua posição ou os critérios de interpretação ou aplicação de determinados conceitos.

Neste contexto, em 26 de julho de 2024, a Comissão Europeia publicou um documento de trabalho (“SWD”, - sigla em inglês para Staff Working Document) que fornece os primeiros esclarecimentos sobre dois elementos relevantes na aplicação do FSR: o conceito de “distorção” do mercado interno e o de “critério de equilíbrio”.

O SWD não é juridicamente vinculativo, mas é útil para antecipar a abordagem da Comissão na avaliação das distorções causadas pelas subvenções estrangeiras, especialmente no âmbito das concentrações e dos procedimentos de contratação pública. O SWD está disponível (em inglês) aqui.

Distorção

O SWD foca-se no conceito de distorção do mercado interno, que constitui o critério substantivo para determinar se uma subvenção estrangeira é ou não compatível com o mercado interno. O SWD esclarece que o conceito de distorção do mercado interno para efeitos do FSR é distinto tanto daquele aplicável em matéria de auxílios de Estado como do conceito aplicável ao próprio controlo de concentrações.

No que diz respeito ao controlo das operações de concentração, a SWD observa que, dado que o FSR e a legislação em matéria de concentrações prosseguem objetivos distintos, o resultado da análise da mesma operação de concentração ao abrigo das duas regulamentações poderá também ser distinto. Assim, a mesma operação poderia ser problemática na perspetiva do controlo de concentrações, mas não na perspetiva das subvenções estrangeiras, e vice-versa. Por exemplo, a Comissão poderia considerar, ao abrigo do FSR, que uma subvenção estrangeira distorce o mercado interno se permitir que o adquirente ofereça um preço mais elevado do que outros potenciais adquirentes, sem que a operação, do ponto de vista do controlo das concentrações, constitua um entrave significativo à concorrência efetiva.

O SWD refere-se especificamente um tipo particular de subvenção estrangeira, as garantias ilimitadas, por considerar que é suscetível de distorcer o mercado interno ao afetar as condições de financiamento e a posição concorrencial da empresa beneficiária. De facto, a única investigação exaustiva que a Comissão iniciou até à data, em relação à aquisição do controlo exclusivo do PPF Telecom Group por parte da Emirates Telecommunications Group Company PJSC, foi motivada precisamente pela possível existência de garantias ilimitadas concedidas a esta última por parte dos Emirados Árabes Unidos.

No caso da contratação pública, a avaliação pela Comissão da existência de uma distorção do mercado limita-se ao processo de concurso em questão e consistirá em duas etapas: (i) avaliar se a proposta é indevidamente vantajosa e (ii) se existe um vínculo entre a subvenção estrangeira e a oferta do concurso. Uma proposta é indevidamente vantajosa se permitir ao proponente oferecer um preço inferior ou uma qualidade superior à dos seus concorrentes, ou se lhe conferir uma vantagem em termos de capacidade, experiência ou reputação. Existe uma relação entre a subvenção e a oferta se a subvenção for utilizada para financiar a oferta ou se influenciar a decisão de participar no procedimento.

Critério de equilíbrio

O SWD aborda igualmente, embora em menor escala, o chamado critério de equilíbrio, ou seja, a ponderação entre os efeitos negativos que a subvenção estrangeira possa causar no mercado interno e os possíveis efeitos positivos desta subvenção, tais como a contribuição para a concretização dos objetivos políticos ou económicos da UE, a proteção do ambiente ou a inovação.

No entanto, a Comissão reconhece abertamente no SWD que ainda não tem experiência na aplicação deste critério e que o resultado do mesmo dependerá das circunstâncias específicas de cada caso.

Comentário

O SWD representa um progresso na interpretação de alguns conceitos e elementos da análise substantiva ao abrigo do FSR, mas muitos outros elementos permanecem indefinidos um ano após a sua entrada em vigor. Este facto, e sem prejuízo da contribuição prevista no SWD, torna aconselhável que as empresas estejam atentas à evolução da aplicação do FSR pela Comissão e que procurem assessoria especializada aquando da análise e avaliação do seu nível de exposição aos riscos decorrentes do FSR.

30 de julho de 2024