A Comissão Europeia aprova a reforma das normas que regem os acordos entre concorrentes
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SubscreverA 1 de junho de 2023, a Comissão Europeia (“Comissão”) publicou novos Regulamentos de isenção por categoria (“RIC”) para os acordos horizontais de investigação e desenvolvimento (“I&D”) e de especialização, bem como as Orientações revistas para os acordos de cooperação horizontal (“Orientações Horizontais”), que substituem as regras em vigor desde 2010/2011.
Os RIC isentam da aplicação da proibição de acordos colusivos prevista no artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”) determinados acordos de colaboração entre concorrentes para o desenvolvimento de projetos de I&D relativos a produtos, tecnologias ou processos industriais, bem como a implementação de acordos de especialização (incluindo, nomeadamente, acordos de produção conjunta ou acordos através dos quais duas empresas decidem especializar-se, respetivamente, no fabrico de um produto, adquirindo, simultaneamente, os demais produtos das outras partes no acordo).
As Orientações Horizontais estabelecem a interpretação da Comissão sobre a aplicação dos RIC e, por conseguinte, proporcionam um quadro de análise e orientação aos operadores económicos, para que possam celebrar acordos com concorrentes em domínios como a compra conjunta, a comercialização, bem como a troca de informações, sem infringir as regras de concorrência da UE.
Contexto da reforma
Estas novas regras fazem parte do processo global de reforma do direito europeu da concorrência que tem vindo a ser realizado nos últimos anos.
Os novos RIC e Orientações Horizontais colmatam as lacunas identificadas na legislação e introduzem determinados ajustes solicitados pelos operadores económicos que tradicionalmente subscrevem acordos de cooperação horizontal, especialmente em domínios como a digitalização e a colaboração para alcançar objetivos de sustentabilidade.
Principais novidades dos RIC
As principais alterações introduzidas são as seguintes:
1. Alargamento do âmbito de aplicação do RIC para os acordos de especialização.
A isenção prevista no novo RIC será aplicável aos acordos relativos ao fabrico de bens e à preparação de serviços (atividades prévias ao fornecimento, por exemplo, a criação de uma plataforma através da qual o serviço será oferecido) celebrados entre as partes, sempre que estas detenham uma quota de mercado inferior a 20%. Neste sentido, o novo RIC aplicar-se-á aos acordos celebrados por mais de duas partes, sempre que os acordos satisfaçam os requisitos do regulamento.
2. Ambos os RIC proporcionam maior clareza no cálculo das quotas de mercado para efeitos da aplicação da isenção prevista nos regulamentos.
Quando os dados relativos às vendas do ano civil anterior não forem representativos da verdadeira posição das partes no mercado relevante, podem ser utilizados os dados relativos às vendas dos três anos anteriores.
Principais novidades das Orientações Horizontais
No que diz respeito à revisão das Orientações, para além de incorporar a jurisprudência mais recente na matéria, o capítulo introdutório contém agora novas orientações sobre os acordos entre empresas participadas e as suas empresas-mãe, bem como orientações adicionais sobre a aplicação das Orientações aos acordos de cooperação que envolvam mais do que um tipo de atividade.
Adicionalmente, as Orientações Horizontais revistas incluem, as seguintes novidades:
1. Uma nova secção relativa aos consórcios para apresentação de propostas (por exemplo, sob a forma de ACE – Agrupamento Complementar de Empresas). Concretamente, a Comissão procurou identificar quais os critérios que determinam que um acordo de apresentação de propostas conjuntas representa uma restrição da concorrência por objeto ou implica a manipulação de propostas. De acordo com as novas Orientações, são considerados restritivos os acordos de consórcio que envolvam empresas que poderiam apresentar propostas isoladamente, tendo em conta as circunstâncias específicas do caso (a dimensão e a capacidade da empresa, o nível de risco financeiro induzido pelo projeto, bem como o nível de investimentos necessários, entre outros). Ademais, são fornecidas orientações adicionais para a avaliação deste tipo de uniões temporárias.
A incorporação destas orientações sobre os acordos de consórcio ou ACEs já era reclamada, há anos, por numerosos operadores e associações empresariais, tendo em conta a incerteza que geravam e as graves sanções impostas por várias autoridades europeias (conforme antecipado neste artigo e neste post).
2. No que diz respeito à troca de informações, a revisão das Orientações implicou alterações substanciais a fim de refletir a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia e de se adaptar aos novos desenvolvimentos trazidos pelas novas tecnologias (benchmarking e data pooling).
No que diz respeito à troca de dados (data sharing), as Orientações especificam que na maior parte das circunstâncias não se considerará como restrição por objeto, salvo determinados casos que envolvam, por exemplo, troca de informações comercialmente sensíveis.
Adicionalmente, são fornecidas orientações adicionais sobre os tipos de troca de informações que constituem restrições muito graves da concorrência, sobre as formas indiretas de troca de informações, tais como o hub-and-spoke e o comportamento de sinalização de preços mediante anúncios públicos (price signalling).
3. Uma das principais novidades introduzidas pela revisão das Orientações refere-se aos acordos de sustentabilidade. Os acordos de sustentabilidade englobam qualquer tipo de cooperação horizontal entre empresas que prossigam objetivos de sustentabilidade que incluam, em especial, o desenvolvimento ambiental e social, a proteção do bem-estar animal ou a salvaguarda dos direitos humanos ao longo da cadeia de valor. Este é um dos desenvolvimentos mais aguardados neste domínio, ao qual dedicaremos, mais tarde, um outro post.
4. Para além disso, foi adicionada uma secção relativa aos acordos de partilha de infraestruturas de telecomunicações móveis, a fim de fornecer orientações para a avaliação de tais acordos. Além disso, são estabelecidos requisitos mínimos para que os acordos deste tipo não sejam considerados restritivos para efeitos do artigo 101.º do TFUE.
5. A secção relativa aos acordos de compra conjunta foi igualmente alargada de modo a clarificar que a mesma abrange tanto os acordos em que os compradores adquirem bens ou serviços conjuntamente, como aqueles em que simplesmente negoceiam em conjunto com um fornecedor e, posteriormente, os adquirem de forma independente. Para além dos danos para os consumidores resultantes dos acordos de compra já discutidos nas Orientações anteriores, as Orientações revistas têm igualmente em conta os danos a montante que podem resultar dos acordos de compra do ponto de vista dos distribuidores.
6. Por último, é de salientar que as Orientações revistas se destinam a facilitar uma maior acessibilidade e aplicação por parte das PME, para que estas possam efetuar uma autoavaliação mais coerente dos seus acordos de cooperação. Neste contexto, as orientações adicionais sobre a Comunicação de minimis serão particularmente relevantes para as PME, uma vez que, em muitos casos, os acordos de cooperação entre PMEs poderão ficar excluídos do âmbito de aplicação do artigo 101.º do TFUE.
Conclusões
Tanto os novos RIC como as Orientações Horizontais procuram refletir a evolução jurisprudencial e socioeconómica dos últimos anos, incluindo referências à sustentabilidade ou à utilização de algoritmos, à troca de dados e a outras formas de digitalização. Procuram, assim, fornecer às empresas, e em especial às PMEs, orientações mais claras e atualizadas, de modo a ajudá-las a avaliar a compatibilidade dos seus acordos de cooperação horizontal com as regras de concorrência da UE.
Os novos RIC entrarão em vigor a 1 de julho de 2023 (com um período de transição de 2 anos para os acordos que se regiam pelos requisitos dos RIC anteriores), ao passo que as Orientações entrarão em vigor após a sua publicação no Jornal Oficial da UE, que se prevê que ocorra também em julho deste ano.
Estamos, deste modo, num contexto adequado para reavaliar os acordos assinados e planear novos projetos de cooperação horizontal, já sob o novo prisma de análise que será aplicável nos próximos 12 anos (até 30 de junho de 2035).
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