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SubscreverO Tribunal da Relação de Coimbra proferiu a 12 de abril deste ano um acórdão inovador, que veio tomar posição relativamente a uma evolução legislativa ocorrida nos últimos anos:
- a introdução do crime de perseguição no Código Penal, e
- a alteração à matéria do assédio prevista no Código do Trabalho.
Tratou-se de um caso de uma trabalhadora de um serviço público camarário de águas e saneamento, cujas funções foram progressiva e injustificadamente esvaziadas pela superior hierárquica.
O Tribunal decidiu manter a sentença da primeira instância de condenação da superior hierárquica pela prática do crime de perseguição agravada.
O crime de perseguição foi introduzido no ordenamento jurídico português em 2015, podendo, por isso, dizer-se que é um crime relativamente novo no nosso quadro jurídico-penal, o que necessariamente também explica o carácter inovador deste acórdão.
Importa não perder de vista que este crime encontra a sua génese na Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, cujo âmago, como se compreende, está muito longe da temática do assédio laboral.
À luz do que está previsto legalmente, não é possível pura e simplesmente afastar o cenário de perseguição no contexto laboral, uma vez que constituem circunstâncias agravantes do crime o facto de o mesmo ser praticado contra determinada categoria de pessoas (v.g. funcionários públicos), no exercício das suas funções ou por causa delas e, ainda, por funcionário com grave abuso de autoridade.
No entanto, importa interpretar cum grano salis as várias situações configuráveis como assédio laboral, e não ceder à possível tentação de as enquadrar num tipo penal.
Em 2017, no conceito de assédio, foi introduzida, após a responsabilidade contra-ordenacional prevista, a expressão “sem prejuízo da eventual responsabilidade penal prevista nos termos da lei.”.
Assim, de um ponto de vista laboral, perante as alterações legislativas acima mencionadas, colocava-se a questão de saber se o legislador pretendia uma possível autonomização de um crime perfeitamente enquadrado com uma situação típica de assédio laboral, ou se estava apenas a remeter para os crimes atualmente existentes no elenco penal, nomeadamente para o crime de perseguição.
Este foi um dos principais argumentos para a arguida recorrer da sentença de primeira instância, tendo alegado, entre outros motivos, que os factos não constituíam crime de perseguição, mas sim uma situação de assédio laboral, que deveria ser sancionada, apenas e só, no âmbito laboral (mas já não penal), havendo um vazio para a criminalização de uma conduta típica de assédio.
No entanto, o Tribunal da Relação de Coimbra rejeitou esta argumentação, considerando que a conduta da arguida, para além da situação de assédio, preenchia também todos os elementos do tipo legal de crime de perseguição.
Importa salientar que a contra-ordenação laboral relativamente a uma situação de assédio é imputável à empregadora e não à pessoa individual que pratica os factos.
Assim, no nosso entendimento, o que sucedeu no caso em concreto, perante uma lacuna de punibilidade da própria arguida (superior hierárquica), foi uma solução “forçada” de responsabilização criminal[1], dado que não existe uma perfeita identificação entre a conduta dada como provada e o tipo criminal em causa.
Não se coloca em causa a gravidade dos factos e, acima de tudo, não se coloca de parte – antes se recomenda - a hipótese de o legislador gizar um tipo criminal específico de assédio laboral.
O que parece não ser a melhor opção é convocar um tipo penal como a perseguição para nele subsumir factos que já encontram a sua tutela no direito contraordenacional, passando a proibição do assédio laboral e aquele crime a andar de mãos dadas, sem a necessária e rigorosa delimitação.
Fica, assim, a dúvida de qual será, de ora em diante, a opção do julgador: será conservador ou, pelo contrário, ultrapassará as barreiras da contraordenação laboral com relativa facilidade?
[1] No acórdão pode ler-se: “A matéria provada, no que ora releva, seria, porventura, suscetível de ser enquadrada como uma situação de assédio laboral, nos termos do n.º 1 do art.º 29.º do Código do Trabalho.
(…)
Sem prejuizo, importa considerar que a responsabilidade pela contraordenação laboral, nos termos do art.º 551.º, n.º 1 do Código do Trabalho recai sobre o empregador, ainda que praticada pelos seus trabalhadores no exercício das respetivas funções.
Encontra-se, portanto, afastada a eventual responsabilidade contraordenacional da arguida, tendo presente a conduta narrada na pronúncia e que resultou provada.
Tal não significa, no entanto, que o injustificado esvaziamento progressivo de funções seja permitido enquanto exercício legítimo e regular do poder hierárquico.
Permitindo, antes, a subsunção ao tipo do crime previsto no art.º 154.º A do Código Penal.”
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